Honestamente, penso
que o cristianismo vive um período de grande desafio, talvez um dos maiores de
sua bimilenar história. E eu não estou me referindo a um desafio ético ou
moral, pois esse sempre esteve presente. Eu falo propriamente de um desafio
existencial, um desafio de sobrevivência.
Aqui, a questão não é
mais se a igreja “x” está certa ou não, ou se essa ou aquela forma de
interpretar a Bíblia está “mais correta”. A questão agora é se ainda faz algum sentido
a existência de qualquer expressão de cristianismo. E eu repito: “qualquer
expressão”. Sendo ainda mais claro, imagine se, de hoje para amanhã,
eliminarmos todo o cristianismo do mundo. Fechando todas as igrejas e destruindo
toda a literatura cristã, incluindo a Bíblia. Qual seria o efeito disso? No que
isso afetaria a sociedade? Faremos falta, ou a humanidade seguirá sua vida como
se nada houvesse ocorrido? Ela será melhor ou pior (ou a coluna do meio, talvez)?
Pense bem na sua resposta, isso é uma questão de vida ou morte!
Por que o fato é que,
problemas em vários níveis, tanto teleológicos, como ontológicos e teológicos, são
diariamente levantados, por seres humanos cada dia mais reflexivos e
perspicazes, para os quais o nosso arcabouço de respostas prontas, elaboradas
pelos pensadores do passado, parece que já não é capaz de responder
adequadamente. E qual o resultado disso? Ficamos, ou presos em um discurso muitas
vezes anacrônico, ou, simplesmente, apelamos para uma verdadeira desonestidade
intelectual, dizendo que esses “mistérios” (que estão mais para sinuca de bico)
são uma antinomia, uma “aparente
contradição”, que um dia, sabe-se lá quando, serão desvendados. Repito, para
mim isso é desonestidade intelectual. Fugir da raia. Sair pela tangente. Se
fingir de morto.
E não pensem os
“papas” das diversas denominações cristãs, que isso não está sendo sentido
dentro das congregações. Os jovens de hoje, ao contrário da maioria no passado,
tem acesso a milhares de informações e explicações, e conseguem sem muita
dificuldade perceber quando, ao contrário de lhes darem uma resposta, no mínimo,
coerente com a realidade, querem enfiar goela abaixo mais uma repetição de antigas
doutrinas, quase sempre já ultrapassadas pelas descobertas das ciências modernas.
Por isso, por
exemplo, que não dá mais para, como o profeta Jeremias fez, atribuir a Deus a ocorrência
das chuvas torrenciais (Jr 14:22), pois, qualquer meteorologista recém-formado
conseguirá explicar a formação e o funcionamento das tempestades de forma
absolutamente natural. Ou, como nos tempos de Jesus, atribuir à ira divina, as
epidemias pestilentas, pois em pouquíssimo tempo poderá ser desenvolvida uma
vacina que combaterá facilmente essa tal doença, e, mais uma vez, assistiremos
mudos a medicina “aplacar” o humor afetado desse “deus irado”.
Sei que esse tipo de
constatação causa certo embrulho no estômago do cristão mais fundamentalista, sei
por que já senti esse desconforto centenas de vezes, mas eu insisto, chegou a
hora de amadurecer nossa teologia, de superar o que tiver de ser superado, de
reformular sistemas teológicos anacrônicos, de abrir as janelas da igreja e
deixar entrar oxigênio novo. Ou fazemos isso agora, ou não sei por quanto tempo
mais poderemos continuar existindo como um pensamento relevante e que seja
capaz de transmitir a mensagem do evangelho aos homens de nosso tempo.
Se me perguntarem se
acredito que no cristianismo existam verdades inegociáveis, direi que sim, como
o amor, a humildade, caridade, e outras do gênero, mas essas são coisas que
deveriam ser verdades inegociáveis para qualquer ser humano que preze o mínimo
pela vida, e não só o cristão. Além disso, isso não significa que, por possuir
tais verdades, a fé cristã deva agir como uma poda ao pensamento, uma armadura
desengonçada, como aquela de Saul que Davi tentou usar para lutar com Golias (I
Sm 17:39), que impede o intelecto de se mover para frente. Quem disse que o que
foi plantado hoje tem que ser inexoravelmente cultivado para todo o sempre amém.
Por isso, acredito
que, quando a Bíblia nos aconselha a ter raízes, é para que não sejamos levados
por “qualquer vento de doutrina”, sem antes uma profunda reflexão. Para que não
sejamos presas fáceis de lobos devoradores. O que é bem distinto de possuir uma
fé intelectualmente estática, presa no que nos foi ensinado a 500 ou 1500 anos
atrás, só por que aquelas respostas, naquele momento, naquela sociedade, e com
os desafios e questões ali levantadas, fizeram todo o sentido. Não é por que a
máquina de escrever foi útil um dia, que eu vou colocar uma no lugar do meu
notebook!
Mas eu sou um
esperançoso. Continuo torcendo para que algum dia a igreja de Cristo desperte desse
sono dogmático e fideísta, e alegro-me quando ouço e vejo lampejos de mudança
de paradigmas e quando vejo que ainda há espaço para o pensamento dentro de
algumas comunidades. Isso me faz crer que ainda há alguma possibilidade da
humanidade vivenciar a experiência da boa, perfeita e agradável vontade de Deus.
William de Oliveira
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