terça-feira, 19 de novembro de 2013

Reflexão sobre o mito do Édem


Sei que muitos cristãos acham a discussão sobre a problemática da teologia das origens irrelevante, tendo em vista que existem, na visão deles, outras coisas “mais proveitosas” para o cotidiano das pessoas. No entanto, se considerarmos que praticamente todo o pensamento cristão está alicerçado sobre as bases do agostinianismo, especialmente, no que se refere ao ensino do pecado original, e, consequentemente, do sacrifício vicário de Jesus, entender o que significa o evento edêmico me parece fundamental. Mas, é justamente aí que começa todo o problema, pois, mexer com esses pensamentos teológicos milenares, é um sacrilégio digno das maiores penas impostas pela inquisição espanhola (não se engane, tem muito cristão por aí que, se pudesse, torturaria com requintes de crueldades gente como eu, tudo é claro em nome da sã doutrina).

Chega a ser insuportável o discurso dos cristãos fundamentalistas que insistem (e eu to ficando vermelho de raiva) em defender o criacionismo como ciência. Por favor, ouçam com bastante atenção: CRIACIONISMO NÃO É CIÊNCIA! Não importa se entre seus defensores estão geólogos, paleontólogos, e mais um monte de “ólogos”, não é ciência. Ciência é feita, partindo-se das evidências até conclusões possíveis, enquanto que, o criacionismo, é feito partindo-se de um pressuposto de , tentando a todo custo buscar evidências que o comprovem. Ciência é experimental, criacionismo é indutivo. Ciência rende suas mais valiosas teorias frente a teorias mais plausíveis, criacionismo sacrifica qualquer evidência para manter sua história base (o Gênesis). E por ai vai!

É verdade que, alguns teólogos modernos, não fundamentalistas, têm buscado minimizar o estrago, formulando teoremas que demonstram que o relato de Genesis seria uma grande metáfora refletida pelo momento histórico dos redatores judeus (são as teorias chamadas de eloísta, javista, deuteronomista e sacerdotal). Pode até ser, mas apenas se considerarmos que essas redações já seriam uma reinterpretação das tradições, na maioria orais, do pré-exílio babilônico. O que passar disso, do meu ponto de vista, não passa de uma tentativa de tapar o Sol com uma peneira.

No que diz respeito ao meu pensamento, eu prefiro ser o mais honesto possível com minha consciência, do que continuar afirmando teorias de uma pseudociência que não sabe o seu lugar, ou mesmo, ficar me desdobrando em manobras teológicas para justificar crenças tão anacrônicas como improváveis. Não quero, e não posso mascarar o fato de que, para minha leitura, a narração bíblica do Genesis é, e não mais do que isso, um relato judaico mítico, provavelmente copiado de relatos mesopotâmicos antigos, em particular o Poema de Gilgamesh, resultado da mente de pessoas que viveram em uma época altamente animista e com uma ciência precária, e que queria autoafirmar suas origens (e eu estou sendo bastante gentil).

Sei que, talvez num último suspiro de esperança, poderão insistir em me perguntar se não há mesmo alguma forma de tratar esses mitos como dados históricos ou científicos. Bem, se você estiver falando de homens pré-históricos que, precisando explicar os fenômenos que os rodeavam, utilizavam divindades e seres espirituais, alguns em formas de animais, outros simplesmente invisíveis, que controlavam a chuva e mandavam fogo do céu, sim podemos. Não vejo como um absurdo afirmar que os mitos foram, para aquelas civilizações, às únicas explicações “científicas” que eles tinham em mãos. Nesse sentido, e só nesse sentido, acredito que possamos aceitar mitos como o Genesis como algo histórico e científico. E as metáforas? Podemos também tratar esses mitos como metáforas? Sim, até por que, evidentemente, já não podemos trata-los como ciência. Aliás, do meu ponto de vista, praticamente tudo relacionado a Deus, seja no cristianismo ou não, só é mensurável e compreensível quando tratado como metáfora.

Essa última afirmação é poderosa e desconfortante para a maioria dos cristãos? Sim, mas é absolutamente necessário entender que, considerando a dimensão da ideia do que seja Deus, seria completamente irracional buscar entendimento sobre Ele de maneira objetiva e científica. Não podemos provar Deus, e pronto. Como dizia Paul Tillich, “Deus está para além de Deus”. Portanto, a metáfora me parece o caminho mais sensato para compreendermos, dentro do possível, algo sobre Deus. Basta, por exemplo, lembrar suas duas maiores metáforas: “Deus é amor” e “Deus é pai”. Um representando sua natureza Toda Poderosamente amorosa, a outra sua atitude em relação aos seres humanos, reflexo desse amor. Como seria possível representar essas duas facetas de Deus sem essas metáforas? Sem dúvida está muito acima de nossa capacidade.

Por fim, quero deixar claro que não restrinjo essa análise apenas ao estudo das origens. Acredito que muitas outras “verdades” cristãs deveriam ser passadas pelo crivo da plausibilidade, entre elas, a liturgia, a oração e as intervenções divinas, a bibliologia, e até a doutrina da trindade, coisas que sempre foram (e infelizmente ainda são) “jogadas” na conta de Deus e seus mistérios.

 

William de Oliveira

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